A muito tempo já se fala que a reforma política é uma coisa que se arrasta a muito tempo. Hoje, no Estadão, temos alguns dados a esse respeito. Por exemplo, estima-se que mais de 300 proposições sobre reforma política circularam no Congresso nos últimos 20 anos, como mostra um estudo do cientista político Vitor Marchetti. Ele mostra uma batalha surda entre o Congresso e o Judiciário e, em grande parte, o predomínio deste na formulação de propostas. Para evitar esse predomínio e, portanto, a ausência de consensos e legitimidades, Marchetti propõe que o Congresso retome a agenda da reforma. Recentemente, a presidente Dilma deu a sugestão e as duas Casas do Congresso criaram suas comissões.
Mas, o cientista político Fabiano Santos enumera algumas dificuldades: 1) não há consenso com relação às finalidades; 2) há insegurança com relação a se a mudança levará aos objetivos pretendidos; 3) os próprios políticos têm receio dos efeitos da reforma.
Em uma análise especial para a Folha (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po0603201104.htm), Cláudio Couto lembra que há sempre um clamor pela reforma política, sempre motivado pela insatisfação com as instituições e com a representatividade, mas, quase nunca se sabe o que ela significa e que efeitos terá. Ele nos tras uma metáfora interessante: É uma situação parecida com a de uma refeição em que todos sabem que a comida está ruim, mas não concordam sobre as razões disso e, portanto, sobre a solução que se poderá encontrar: uns acham que é o excesso de sal e outros, que é a falta; uns dizem que é o tempero, outros, que é a consistência, a temperatura etc. Seu único acordo é que o manjar se tornou intragável.
É natural, então, que se acabe ficando onde se está, sem avançar em nenhuma direção. E, mesmo quando há algum consenso sobre as causas de certos problemas e sobre a possível solução para tais problemas, entram em cena as questões e interesses políticos que, por serem divergentes, dificultam qualquer consenso. Daí que, propostas oriundas de outros espaços, como o judiciário e a opinião pública obterem maior possibilidde de consenso. O ator político “externo” paira por sobre divergências políticas e, trazendo o peso da opinião pública e da mídia facilita certos consensos. Tem sido assim em muitas das mudanças conquistadas nos últimos anos, como Couto nos lembra: Eleição em dois turnos, mandato presidencial de quatro anos, fim da contagem dos votos brancos como válidos nas eleições proporcionais, prazo mínimo de um ano antes da eleição para a filiação de candidatos e regulamentação das medidas provisórias. Não é pouco.
Por certo, a reforma política é um daqueles exemplos em que a mudança não pode ser deixada simplesmente a cargo daqueles que são diretamente envolvidos na questão. Seria preciso um forte sentimento de representatividade para que o tema avançasse. Bem, mais fácil que a discussão começe fora mesmo. Só não sei se o apelo de Dilma terá sucesso, afinal, tantos outros presidentes já fizeram este tipo de apelo. Só o apelo não cola. Se o Executivo tiver mesmo interesse tem que colocar a base aliada pra trabalhar. O mesmo vale para a oposição. Mas, é bom sempre estar atento a isto: não basta um bom diagnóstico da situação, o que falta mesmo é interesse convergente no Congresso, entre os senhores parlamentares em prol de um sistema político democrático…tudo bem, pode ser querer demais.
De qualquer forma, isso nos força a estar sempre buscando as eventuais causas internas que impossibilitam os consensos. Isso tem que ficar mais claro, para que não a questão da reforma política não fique reduzida a uma discussão sobre diagnóticos e efeitos, ou seja, uma discussão puramente intelectual. A questão é mais embaixo… é política, do “jogo político”.